23 de abril de 2018

Padmaavat (2018)



Um filme histórico era o que faltava nesse blog, agora não falta mais. Padmaavat é mais uma produção do Sanjay Leela Bhansali e o último da trilogia Ranveer-Deepika. Com muita extravagância e pompa, marca registrada de SLB, Padmaavat veio com força total balançar nossas estruturas, com um show de atuações, cores fortes e músicas marcantes.


 Como não falar desse filme que causou e balançou com as estruturas da Índia em 2017? Toda a confusão que ele atraiu pra si merecia um post só pra falar dessa confusão, mas não é exatamente sobre isso que quero abordar. Desde PK (2014), eu não faço um resenha tão longa. Eu tentei não tornar a leitura massiva e nem entendiante, apesar de apresentar uma proposta simples e direta, é um filme que carrega muitas informações. Claro, nem todos se interessam pela carga histórica que o roteiro filme apresenta fora das telinhas e por esse motivo, eu o deixei em um tópico separado, em que você pode ler apenas a review e 'ignorar' as 'curiosidades' históricas que essa trama apresenta.

O que esperar quando você não sabe o que está esperando?

Sim, sabemos que é uma péssima ideia sair pra caçar com arco e flecha vestida
em um sári pomposo como esse, mas como é a Deeps, bem, ela pode.

- Uma épica aventura, porém trágica de uma lenda medieval indiana
Um filme que roteiriza uma lenda medieval, que não tem pressa em construir sua narrativa, bem como apresentar o seu desfecho. O filme foi produzido e roteirizado a partir do manuscrito medieval 'Padmawat' do poeta sufi Malik Muhammad Jayasi, que foi escrito em 1540.
O cenário que se constrói dentro da proposta apresentada por SLB vai se harmonizando dentro de cada quadro fílmico que deseja capturar cada suspiro projetado por seus personagens. A harmonia do roteiro é tão certeira que cria um espaço seguro para cada personagem, onde cada um consegue se sobrepor e ser senhor do espaço em que a ele foi concedido. A história se movimenta no espaço e no tempo de forma tão harmônica, que ela consegue sair do clima leve e heroico em que se encontram a rainha Padmavat e o rei Ratan e entra no cenário de clima hostil e pesado protagonizado pelo sultão Allaudin. Sanjay se mostrou tão à vontade com essas diretrizes, que acredito que tenha finalizado a trilogia Ranveer-Deepika com um passo mais próximo da perfeição de uma verdadeira saga épica indiana.

Um minuto de silêncio pra essa química bem aqui. #PadTan❤️
- Formidável e espetacular
A ideia central do manuscrito de Malik Jayasi é embate entre a beleza de Padmawat e obsessão de Allaudin Khalji, no entanto SLB consegue com louvor destacar um terceiro personagem que no manuscrito de Jayasi se demonstra um pouco ofuscado, o rei Ratan Singh. Sanjay consegue ir além do documento histórico para construir melhor os personagens do seu filme. O destaque que os personagens secundários conseguem demonstrar nessa trama também tem todo um diferencial. A linha que separa protagonistas e secundários é bem tênue, uma vez que esse filme tem um quinteto de atores maravilhosos que encaixa perfeitamente para o que foram designados. 

Olhem a beleza dessa mulher. 
Mehrunissa, interpretada pela Aditi Rao Hydari, é um personagem que se apresenta com um amor inocente por Khalji, mas que é completamente transformado ao perceber a natureza grotesca do amado. Um personagem que é moldado de acordo com as situações que se apresentam, Aditi não protagoniza muitas cenas, mas foram suficientes pra deixar sua marca no filme. A mudança da personagem não excluí o amor que ela sente pelo marido, no entanto, ela passa a amar o que o marido passa a oferecer a ela, já que em diversos momentos fica claro que ele não a ama.

Palmas! Um personagem desses não é
construído por qualquer um.
Parabéns, Jim!
Malik Kafur, interpretado por Jim Sarbh, é de longe um dos personagens mais desafiadores para se construir na Índia diante de tantos debates sobre a sexualidade. Tiro o chapéu pra coragem do Jim em aceitar esse desafio e mais do que isso, por ter executado tão bem. Malik é o personagem que é construído a partir de um mix de devoção e paixão. Isso mesmo, muita paixão movia esse homem. Sua completa rendição diante dos caprichos mais loucos do Khalji, que ele atende sem questionar. A sua relação com Khalji vai além da relação senhor-escravo, a tensão sexual e sua profunda admiração pelo seu senhor é expressa em cada atitude. Por mais que esse amor não seja consumado em tela para que o espectador assista, ela está ali, está nas entrelinhas das atitudes desse personagem, que se deixou dominar completamente pelo seu senhor.

Scar do Rei Leão ataca!
Já que estamos falando do Malik, vamos unir o útil ao agradável e falar do personagem que foi considerado o mais icônico do filme. Sultão Allauddin Khalji, interpretado por Ranveer Singh, um personagem extremamente controverso dentro de sua perspectiva histórica, da qual não abordarei nesse tópico, mas em um tópico mais a frente. Assim como o Jim, um personagem pra lá de desafiador. Para construir esse personagem o Ranveer passou por maus bocados, que afetaram sua saúde e vida pessoal. O personagem requeria foco total para conseguir o que ele conseguiu. Khalji é um personagem que está montado e alicerçado em uma base de loucuras, ganância e obsessão.  Ele não ama ninguém além de si mesmo, em que esse amor estende garras caprichosas para sua própria satisfação. Outra perspectiva desse personagem está na coragem do Ranveer em se despir de todos os heróis que ele já interpretou e vestir uma nova roupagem. A construção de um personagem pauta na bissexualidade sem que isso seja a sua marca registrada, mas como algo comum e ordinário, não é pra qualquer um. 

Scar lá e Mufasa aqui!
Um Rei Leão desses! 
Assim como o sol e a lua, opostos por sua natureza, assim é a relação entre Khalji e o rei Ratan Singh, que é interpretado por Shahid Kapoor. Enquanto Khalji é soberbo e ensandecido pela idolatria de sua própria imagem, somos bombardeados com o oposto na figura do rei Ratan. Um homem que preza pela honra de suas ações e palavras. Adorado por seu povo e amado por suas rainhas, o rei Ratan mesmo com toda a sua pompa honra o mais desonrado e traiçoeiro dos inimigos. Um herói digno de uma epopeia medieval indiana. Destacar a importância do rei Ratan, nos faz lembrar automaticamente a presença de dois personagens que em suas pequenas participações sustentam a moral e conduta desse rei. Ao se falar do rei Ratan e não falar de seus fieis servos Badal e Gora é quase impossível. Badal e Gora são uma extensão representativa dos súditos do rei, são personagens dotados de honra e lealdade.

♩ Linda, mais que demais.
Você é linda sim ♬
E por último, vamos aqui falar da personagem que dá nome ao filme e é o centro do conflito que domina esse filme, a rainha Padmaavat, interpretada pela Deepika Padukone. Antes de se tornar a rainha do rei Ratan, Padmaavat já apresenta uma personalidade altiva e forte. Uma princesa que exala altivez, sagacidade e atitude que com uma personalidade ímpar conquista o rei Ratan tão logo se encaram, e a flechada que ela dá no seu peito é figurativa para o amor que floresce entre eles. A princesa flecha e acerta o seu corpo, mas a sua personalidade e altivez flecha e conquista o coração de Ratan. Na sua transição de princesa à rainha não perde em nenhum momento a maestria das cenas e do enredo que se constrói. Por onde ela passa em seu novo lar, ela desperta a coragem, a admiração, a cobiça e a inveja, todos tomam consciência de que a nova rainha é uma peça moldada pelas mãos do próprio deus. A rainha é perfeita, ela é impecável e, acima de tudo, é uma rainha devota que está sempre atenta ao que acontece ao seu redor, e ao redor do seu rei.

- Música para os meus ouvidos e beleza para os meus olhos
Admito que Sanjay me surpreendeu com essa trilha sonora, não tem uma  música nesse filme que filme que eu não tenha uma paixão especial por sua representatividade dentro do filme. E cada emoção que ela demonstra estampada no rosto de seus personagens.  Nainowale Ne é a música que mostra as nuances do despertar do amor entre o rei Ratan e a futura rainha Padmaavat. Na música Holi, o casal mostra sua cumplicidade nas pequenas coisas e nas coisas importantes, como a importância do Holi, que ali é usada para expressar a construção da cumplicidade do casal. É importante ressaltar que essa música é uma canção folclórica sobre o Holi, mas sua execução dentro do conjunto criado por Sanjay Leela Bansali levou o sentimento para outros níveis, e pra mim expressou o reflexo de um amor sagrado e consagrado pelas pelas boas novas anunciadas pelo festival do Holi. Outra música que me deixa tonta e apaixonda de ver e ouvir é  Ek Dil Ek Jaan. Enquanto a música tocava no filme eu me sentia bombardeada pela beleza desses dois juntos. A música apresenta um amor mais forte e próximo que qualquer casal poderia ter, as nuances dos olhares, a química explosiva entre eles fazem com que o espectador seja transportado para dentro daquela química efusiva criada por Shahid e Deepika. E o que é Ghoomar, maravilhosa, mas precisamos admitir que o SLB adora ver a Deepika girando, alguém aí percebeu as semelhanças gritantes com as coreografias de Bajirao Mastani e Ram-Leela? Não estou reclamando, estou apenas fazendo essa pequena observação, Ghoomar é a minha segunda música favorita desse filme, porque nada supera o meu amor por Ek Dil Ek Jaan.

EU QUERO ESTAMPAR ESSA IMAGEM NA MINHA TESTA
PRA TODO MUNDO VER COMO ELA É LINDA.😍

Falamos de uma composição musical que explode com beleza e amor nas pessoas do Ratan e Padmaavat. Mas as músicas que marcam a presença do Ranveer em seu icônico personagem também não ficam atrás. O que é Khalibali no jogo do bicho? Altivez de um sultão que é idolatrado por seus seguidores, mas que também expressa o seu sentimento de distanciamento dos céus e uma paixão cega por alguém que ele nunca viu, mas persegue furtiva e traiçoeiramente a ideia de que toda beleza do mundo pertence somente a ele. E nada como Binte Dil para levar Ranveer para outro nível da construção de seu personagem. A música nos marca pela sutileza da devoção ensandecida do Malik por seu mestre, pra mim essa música marca sutilmente nas entrelinhas o relacionamento amoroso construído entre o Khalji e o Malik, que segue os comando da luxuria do Khalji. Quanto mais eu assistia essa música menos eu acreditava no que os meus olhos viam, e sim, eles viram, viram dois atores que levaram a atuação bollywoodiana para outro nível. Parabéns Ranveer e Jim, interpretar um personagem bissexual e homossexual, respectivamente, dentro da grande industria indiana e sair de cabeça erguida é mais do que um desafio é um ato de superação e crescimento profissional. 

aquele significado de
' eu posso ser mais do que sou e ousar na minha atuação'.

 - Uma obra prima não tão histórica 
Em nenhum momento do filme afirma-se que ele é um documentário ou uma representação perfeita da história. O filme não deveria ser uma lição de história, mas sim um retrato visual de um poema épico fictício. No entanto, diante da carga histórica que ele apresenta, é necessário se atentar para esse detalhe. E para quem não gosta muito de história, este último tópico pode ser um tanto enfadonho.

Posso considerar que Padmaavat é o mito arturiano da Índia, não por semelhanças na narrativa que nada tem em comum. Mas pelo fato de que ambos são construídos a partir de figuras históricas que provavelmente não existiram. As controvérsias que giram em torno da figura emblemática e histórica de Padmaavat podem ser apenas uma licença poética de um poeta medieval indiano do século XVI, como pode ser um reunião de variadas personagens femininas do passado rajastão indo-paquistanês.

Padmaavat descobrindo que pode ser só uma construção
histórica alegórica e está revoltada.
Os estudiosos afirmam que a criação de Padmavaat é alegórica e representativa que carrega um simbolismo da construção das tradições. E tais interpretações alegóricas da história de vida de Rani Padmini são encontradas nas tradições bárdicas dos hindus e jainistas no Rajastão. Até o século 19, a história de Padmavaat não passava de um lenda presa aos espaços acadêmicos e dos estudiosos. Então por volta de 1900 à 1950, ela abandona os espaços acadêmicos, e parte para a sociedade indiana,  em uma época que a Índia busca se libertar das garras britânicas e precisava de figuras que exaltassem a honra indiana. Então como uma estratégia de popularização da lenda, Abanindranath Tagore (1871-1951) popularizou-a como uma figura histórica entre as crianças em idade escolar. E desde então Padmaavat cresceu como um símbolo de honra da Índia, mas em nenhum momento houve uma preocupação no aprofundamento da veracidade histórica do personagem. Só para situar vocês dessa necessidade de uma nacionalidade indiana, a Independência da Índia foi em agosto de 1945, bem no final da segunda guerra mundial.

Diferente de Padmaavat, o rei Ratan e o sultão Allauddin Khalji realmente existiram e seus conflitos estão gravados na história, no entanto, não há registros confiaveis de que o que levou o embate entre ambos tenha sido uma mulher, já que dentro da construção de suas narrativas históricas nenhuma mulher como Padmaavat é mencionada. Em rara excessão, acredita-se que Padmaavat tenha sido a filha do Ratan, que se apaixonou pelo filho do Allauddin, mas até mesmo as fontes históricas que buscam comprovar essa vertente são escassas e contraditórias.  

Eu adoraria falar mais sobre a construção histórica desse personagem, mas meu objetivo principal nesse tópico é dar a vocês, apenas, um panorama geral da construção histórica desse personagem e porque ele causou tanta polêmica. 

O que achei do filme?
O que foi bom: Pela primeira vez Sanjay Leela Banshali conseguiu me surpreender e satisfazer como cinéfila amadora. Nos dois filmes anteriores da trilogia Ranveer-Deepika, algumas pontas soltas me incomodaram, poucas músicas me conquistaram, mas em Padmaavat, eu fui arrebatada pelo conjunto que ele construiu. Talvez, por causa de todas as adversidades que ele teve que enfrentar, SLB colocou a sua alma nesse filme e por isso eu consigo vê-la. 
O que foi ruim: Talvez, um pouco do abandono ao encargo histórico, mas essa é uma liberdade poética que o filme tem, então não acho que seja uma coisa ruim, quando se tem que construir uma narrativa fílmica para atrair o espectador leigo da historicidade de Padmaavat. 
Assistir ou não assistir: Definitivamente assista. Padmaavat é, nesse sentido, exatamente o tipo de filme que o escritor/produtor/diretor Sanjay Leela Bhansali se propôs a fazer, então eu quero tentar julgar que com muito sucesso ele e seus colaboradores conseguiram transmitir as ideias da história em seu árduo clamor fictício, fora das tradições históricas dessa lenda, além da flagrante provocação de seu final, que é bastante previsível diante da situação que se constrói no filme.


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4 comentários:

  1. Amei o artigo, obrigado pela contextualização, mesmo que breve do Poema.

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  2. Adorei o post, Sara, está excelente! O que mais gostei de uma forma geral foi ler uma opinião completamente diferente da minha, vinda de uma experiência de filme também muito distinta. Acho que a sua visão e a da Isa estão muito próximas e não posso deixar de ressaltar como é lindo esse momento único em que três blogs brasileiros sobre Bollywood apresentam três visões sobre uma mesma obra. Sempre via isso nos blogs estrangeiros, mas como aqui somos poucos, era raro. Coisa mais linda <3

    Infelizmente não fui cativada pela atuação do Ranveer. O trio principal me pareceu muito unidimensional, com os Rajput representando o bem e o Khilji, o mal. Dado isso, a sucessão de cenas do Ranveer arregalando os olhos ou mostrando os dentes foi me cansando (talvez até fisicamente), já que a intensidade que ele mostrou já na primeira cena do avestruz foi se mantendo igual durante aquelas quase três horas. Por isso gostei muito das cenas do Shahid e da Deepika, cujos personagens não saíam do seu pedestal de bondade, mas pelo menos tinham mais leveza. E como fãs do Shahid que somos, um papel desses num sucesso estrondoso chega a dar um alívio. Gostei tanto quanto você da atuação de Aditi e lendo seu trecho sobre ela, me dei conta de que talvez ela tenha sido a personagem mais mulltifacetada do filme. Inicialmente parecia ingênua e submissa, depois foi corajosa e na cena em que o marido manda puni-la, parece estar entre o amor, a dor, a satisfação e até um certo desprezo. Estou torcendo muito pela carreira dela.

    Não achei o post longo, não.

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  3. Boa tarde!Gostaria muito de assistir a esse filme, mas não o encontro de forma alguma! Há uma dica? Pelo Challo não consigo baixar por ser um arquivo muito grande e não encontro em site algum, help!

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    1. https://euamofilmesindianos.wixsite.com/filmesindianos assiste nesse site é legal imagem boa e tradução tbm

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